Nunca imaginei que um dia na minha vida frequentaria um
curso de datilografia. Duvido que os blogeiros de hoje digitem tão rapidamente
quanto eu, mas as horas no curso de taquigrafia de sobreloja eram realmente de
cortar os pulsos. Reta final de concurso, duas etapas superadas – e vencidas -,
e a sua classificação final dependia daquele chatíssima máquina de comer letras
que logo se tornaria um dinossauro.
A preparação para um concurso pode ser mesmo inusitada, e nada
disso parece divertido até que tudo acabe. Ou melhor, tudo acabe bem! Eu tenho
duas teorias: ninguém fracassa em concurso público. Desiste. É diferente. A
aprovação é apenas uma questão de tempo. E de jogo de cintura, é claro. Caminhe
na beira da estrada que um dia você toma o trem certo.
Mas o tempo passa e algumas coisas nunca mudam. Datilografia
não existe mais, mas o que dizer de digitação? Qual pode ser a diferença entre
catar milhas ou disparar uma metralhadora? Sim, faz toda a diferença. Ser ágil,
com a mente e com dedos, faz mesmo muita diferença no mercado de trabalho. O
que muita gente duvida é que, para concurso, o mundo não é lá tão digital
assim. E escrever, sim, ainda pode ser
uma arte. Nos países árabes, caligrafia é cultura e arte da maior grandeza. Os
calígrafos são respeitados como grandes artistas da pintura e a escrita é uma
ciência tão antiga quanto amada! Para nós, uma letra desenhada pode ser até
sinal de frescura ou futilidade. Como os frufrus num vestido de boneca. Mas na
hora prova, uma letra bem desenhada, uma escrita caligrafada é como os cílios
negros da Elizabeth Taylor. Inconfundíveis. Para os concurseiros, é difícil dar
importância para um treino de escrita ou a importância de se devolver uma prova
bonita, além de bem feita. Mas, para mim, os garranchos da jornalista canhota
me custaram algumas posições no concurso, e por não sorte, não o concurso
inteiro. Reta final para a prova discursiva, pânico total, estresse máximo, e
lá estava eu no meu curso de caligrafia, fazendo calos nas mãos. Era um ato tão
desesperado quanto necessário. Jamais a minha redação apressada e caolha
seduziria qualquer leitor mais ou menos convicto.
O cursinho de caligrafia me deu também as noções de limpeza
e higiene de uma redação, e com o tempo vejo que a caligrafia ainda não morreu
para mim. Ainda divido o caderno com meu filho de onze anos, aceitando
inclusive as comparações (e zoações...)
Escrevo frases tolas, porém elegantes, e tento fazer dessa
regressão estudantil um momento de despojada loucura: “conferir o amor da
montanha e a saudade do vento”.... “qualquer que seja o estágio, nunca se
esqueça de demitir-se primeiro” ....”a delícia de fazer da saudade a sua outra
metade...”
De rimas pobres e frases sem nexo, vou desenhando o “j”, moldando o “q”, enganando o “b”, um dos mais difíceis
de fazer na escrita cursiva.
Duas páginas por dia e minha missão está cumprida. Os
progressos chegam a “mãos” vistas. Reafirmei meu voto de louvor à caligrafia
quando recebi redações de alunos na fase dos recursos. Me encantei pela letra,
morada de um belo texto, estruturado, dizia logo a que veio: beleza por fora e
por dentro. Impecável o texto da candidata imbatível. Era a nota de redação
mais alta do concurso. Outros exemplares
eram mais camaleões: a aparência refletia uma certa desestrutura interna:
faltava a linearidade, a limpeza, a objetividade e a elegância do traje impecável
de um bom redator. Nas curvas das letras, se perdiam um pouco as ideias e ausentavam-se
as construções ímpares, aquelas que nós deixam a sorrir.
Enfim, cheguei à conclusão de que sim, uma letra bem feita,
sim, é documento. E quem não quiser dar carteirada, pode ficar também sem a sua
carteirinha de servidor público, e ainda por cima sem qualquer chance de ganhar
a vida escrevendo na face dourada dos convites de casamento.
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