domingo, 9 de novembro de 2014

Pílulas de Língua Portuguesa 26



Atualizado em 04/11/2014 às 14:41


Vivam os Latinismos (Alguns)! 1

Por Jairo Luis Brod

"Est modus in rebus." (Existe medida, um meio-termo para tudo; nem oito nem oitenta).

                                 Horácio, poeta romano da Antiguidade

Latinismos são palavras, locuções, expressões ou construções gramaticais próprias do Latim. Oriundo da região do Lácio, em Roma, ele deu origem às chamadas línguas românicas – ou neolatinas -; entre elas, o Italiano, o Francês, o Espanhol e o Português. Lembram-se, heroicos e escassos acompanhantes desta coluna, dos versos do poema "Língua Portuguesa", de Olavo Bilac?

"Última flor do Lácio, inculta e bela,

és, a um tempo, esplendor e sepultura;

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela... (...)"



Neste poema, O Príncipe dos Poetas faz referência à história da Língua Portuguesa. Pobre Latim, depois de tanto contribuir para a formação cultural de diversos povos, foi relegado ao título de língua morta, ou seja, uma língua que não mais possui falantes nativos, sendo apenas empregada pela Igreja Católica para fins rituais e burocráticos. Mas até ali,  no derradeiro e sacrossanto recesso do Trono de São Pedro, ele vem sofrendo sacrílegos boicotes, hehe. No início de outubro último, o Papa Francisco determinou que a veneranda língua cedesse espaço ao Italiano como idioma oficial da assembleia de bispos (sínodo) reunida na Santa Sé para discutir temas relacionados ao catolicismo.

Ainda que se contem nos dedos as pessoas que falem e escrevam no dialeto dos césares, ele permanecerá por muitos séculos nos diversos rebentos que gerou. Não tem aquela história de que os pais sobrevivem em seus filhos? Pois é, o DNA do Latim vem se perpetuando em sua prole. Não se pode, contudo, dizer que o tronco latino impregnou sua dezena de ramos com todos os caracteres genéticos que o distinguia.

Por exemplo, o Latim não conseguiu nos embeber de seu considerável poder de síntese. Somos povos latinos, que, de forma paradoxal, falamos pelos cotovelos. Querem um exemplo eloquente dessa disparidade entre a síntese da língua mater e o pendor analítico de suas descendentes? Peguemos o vocábulo vixit! (vícsit), um eufemismo usado pelos antigos romanos para comunicar que alguém tinha morrido. Não é glorioso anunciar que alguém "viveu!" em vez de "morreu"? Tal glamour, no entanto,  não se expandiu para as terras dalém-Lácio. Como fazemos semelhante anúncio por aqui? "Olha, você sabe que sua mãe não andava bem de saúde..."; ou "Fulano foi comer capim pela raiz"; ou, ainda, "O gato subiu no telhado...", rsss.

Apesar de estar cinscunscrito às encíclicas e a outros documentos legais do Vaticano, ainda há quem insista em rechear seus escritos e falas com latinismos indecifráveis. Na crônica anterior, comentei que a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB está em uma cruzada permanente pela simplificação da linguagem entre os operadores do Direito. Além do juridiquês, a artilharia da entidade se volta contra os latinismos, especialmente os que não se incorporaram ao nosso idioma, seja com a vestimenta original, seja pela conformação à nossa Língua. Vejam alguns exemplos execrados pela AMB:

- Ab hoc et ab hac: disto e daquilo. Discorrer alguém sobre algo que não entende.

- Aberratio delicti: desvio do delito. Erro por parte do criminoso quanto à pessoa da vítima.

- Animus abutendi: intenção de abusar.

- Bis dat qui cito dat: dá duas vezes quem dá prontamente.

- Bona fide: de boa fé.

- Ex adverso: do lado contrário. Refere-se ao advogado da parte contrária.

- In anima vili: em alma vil, irracional. Experiência científica feita em animais.

- Tabula rasa: 1. Suprimir inteiramente (o que existe), para substituí-lo por coisas novas. 2. Não fazer caso de; não levar em conta; ignorar, desprezar

É importante realçar que não se está demonizando essas expressões. O seu uso depende dos interlocutores com os quais se está falando. No meio jurídico ou entre outros profissionais que dominem o linguajar, esse tipo de comunicação ainda é bem-vinda. Tais termos devem ser evitados, é claro, quando o público-alvo for uma audiência que não tenha familiaridade com a língua de Cícero.

Alguns latinismos (muitos já aportuguesados), porém, não só são recomendáveis por serem de amplo conhecimento como muitas vezes constituem a única forma de se nomear alguns seres e coisas:



In loco = no local

A priori = a princípio

A posteriori = depois

Idem = o mesmo, igual

Mea culpa = minha culpa

Carpe diem = aproveita o dia

Corpus Christi = corpo de Cristo

Ad hoc = para isso, para tal fim

Lato sensu = em sentido amplo

Modus operandi = modo de agir

Causa mortis = a causa da morte

Et coetera (etc) = e outras coisas

Honoris causa = a título de honra

Data venia = com o devido respeito

Ad referendum = para ser referendado

Per capita = por cabeça; para cada um

Hábitat = lugar de vida de um organismo

Grosso modo = de modo grosseiro, por alto

Déficit = excesso de despesas sobre receitas

Sine qua non = sem a qual não; indispensável

Mutatis mutandis = mudando o que deve ser mudado

Superávit = diferença, a mais, entre receitas e despesas

Ipsis litteris = textualmente; com todas as letras ou palavras

Aliás = expressão utilizada para retificar algo; de outro modo

Habeas corpus = garantia constitucional de liberdade de locomoção

Vade-mécum = designação comum a livros de conteúdo prático e formato cômodo

Sui generis = que não apresenta nenhuma analogia com outra (pessoa ou coisa); peculiar

Curriculum vitae = conjunto de informações escolares e profissionais concernentes a um indivíduo

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