sexta-feira, 3 de abril de 2015

Quem tem medo das palavras? Apenas escreva.


Palavras não são fantasmas. Mas aterrorizam muita gente. As pessoas são cada vez mais viciadas em palavras. Tudo é respondido imediatamente. Elas precedem os pensamentos. Tudo é dito e desdito. Elas carregam julgamentos e desconstroem coisas bem mais sólidas do que elas mesmas. Palavras são como tijolos nas mãos erradas: elas podem construir. Porém, soltas assim , no canto, não fazem sentido algum. São pilhas inúteis acumulando-se de poeira. As palavras precisam ser costuradas, enfileiradas, colocadas numa ordem em que não reine uma mera combinação de rimas ou  regras gramaticais, mas que façam um sentido que seja minimamente duradouro e tenham uma finalidade precípua.
Nos últimos dias fui instada a responder a palavras soltas ao vento, discursos alheios sobre coisas que eu teria feito ou não, desprovidos de qualquer raiz. Você não vai responder a isso? Não! A resposta tem sido apenas essa. Não! O ser humano sente-se cada vez mais prisioneiro das palavras, mas escolhe a forma errada de acorrentar-se a elas. E o motivo também.



Deixe que falem, já diziam os poetas. As pessoas podem dizer o que querem. O choro é livre! Nós é que não estamos acostumados a ouvir. E entender que o outro também não sabe silenciar. Porque todos queremos falar. O que parece apenas ruidoso para uns, é ensurdecedor para o outro. Não importa o que digam de você. Isso é apenas o que o outro pensa e, normalmente, em nada mudará a sua vida. O que importa é: só você fala por você.
O problema está no fato de que existe uma diferença substancial entre a palavra dita e a palavra escrita e quem quer se preparar para um concurso público tem que começar a respeitar essa linha de corte: a palavra dita é vaga como uma brisa, é lenta e faceira como borboleta, é frágil e inválida como a tal borboleta. Aí me desculpem os mineiros e todos os outros que dizem: homem/mulher de honra tem palavra! Mas os amantes vão entender perfeitamente o que escrevo: quantos “eu te amo” esquecidos no dia seguinte... As palavras faladas são cheias de emoção e carregam a efemeridade do som. Como uma onda que nunca mais voltará, mas que gravamos em nossa mente numa folha de papel invisível que jamais será registrada em cartório.
É preciso dar sentido prático às palavras e colocá-las numa balança de feira: quanto você está disposto a pagar por isso? Para palavras soltas, sua mais-valia é quase nenhuma para quem precisa de ideias consistentes como um brinquedo articulado. Ninguém pode ser o porteiro da fala alheia: isso passa, isso não passa, assim como ninguém pode sentir a chuva na sua pele. Apenas você! Se para cada minuto que se perde tentando processar e reverter os discursos mal-cheirosos que atingem nossos sentidos, fizéssemos o exercício de ler dois parágrafos de um bom texto com um bom potencial de cair na prova discursiva, ganharíamos uma boa vantagem competitiva com relação aos adversários. Ninguém pode colocar palavras na sua boca – mas qualquer um pode encher sua cabeça de ideias tolas e roubar-lhe preciosos minutos de silêncio saudável e enriquecedor diante dos livros.
“Unwritten” e o nome da música que inspirou este post, e a caneta está apenas a sua mão, diz a bela cantora. Encare a página em branco à sua frente e tenha certeza de que ninguém pode colocar as palavras na sua boca (no one else can speak the words on your lips). É incrível como num mundo com um trilhão de páginas escritas na internet com 2,2 bilhões de mentes de alguma forma conectadas, nos condicionamos a reagir a falas cotidianas e apressadas como um clique, e uma pequena chuva vira um trovão em nossa pele. É hoje que o livro começa, se molhe em palavras não ditas, e dê um significado real, pautável e paupável, como um belo artigo, a cada parágrafo que escrever. “O resto ainda não foi escrito”, diz a singela canção. O que você está esperando?

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