quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sem palavras - reflexões para um texto criativo

Dizer sem palavras. Há diversas formas de dizer: gestos, olhares, ações, omissões. As palavras são uma pequena dimensão do imenso universo da comunicação, e muitas vezes, é justamente a dimensão mais leviana. São como a ponta de um iceberg, existe muito mais ali embutido, sustentando toda a estrutura da sua mensagem.
Um teatro sem palavras pode parecer ainda mais surreal do que uma comunicação não verbal. E não se trata de um espetáculo de dança. A mensagem é transmitida sem palavras, por grunhidos, e não importa o que você entenda ou perceba, a mensagem é sua. Você irá construí-la a partir da sua experiência pessoal, e então, se identificará ou não com ela. Entender essa comunicação e como ela opera no núcleo do indivíduo ou do ambiente social é dos processos que nos ajudam a controlar melhor o que vamos dizer, como, e no que isso vai dar. É o sonho de todos nós: não devemos destruir ou construir castelos ou pântanos com as palavras. Ou com a mensagem que se quer.
O espetáculo “Irmãos de Sangue”, da companha Dos à deux, não fala. Ele grita uma mensagem de que o conflito entre famílias e pais e filhos, ou mães e filhos, pode prescindir de qualquer bom português. O espetáculo, feito de sons, efeitos sonoros e gemidos, é uma contundente demonstração de que comunicar é um desafio bem mais idiomático do que qualquer coisa: ele envolve dramas, limitações, sentimentos e sensações inomináveis. Sem palavras.
O texto abaixo integra o projeto, é auto-descritivo, e traz um belo exemplo de como a abstração pode ser uma forma de falar sem ser óbvio, e de retratar uma imagem inacabada que vai se formando a partir do sujeito dentro de si. É mais do que um jogo de palavras ou a metáfora de uma obra que encerra o silêncio de todos os corpos. Nos ensina que o corpo fala, e a doença é apenas uma dessas manifestações não verbais de nós mesmos.
O corpo perpetua a nossa ternura indisfarçada de tensão e é também a extensão da loucura coletiva em que vivemos. Eu adoro as metáforas e meias palavras cheias de sentido deste texto, assim que  a alavanca do espetáculo é o desejo de que seja tudo traduzido de uma forma menos sofrida para cada um: “diante da dramaticidade da vida, até mesmo as palavras são descartáveis. Que dimensão perturbadora de um tempo em que a mente é vassala dos sentidos, mas a alma e corpo estão presos ao romper das águas de um arpoador, que lhe acerta em cheio no terreno das mais profundas amarguras e malditas ilusões.”
“Procurar o desconhecido. Seguir o seu próprio caminho e ir ao âmago do que impele, de maneira intensa e urgente, a se expressar, a sair de si mesmo. Resistir e continuar a criar sem descanso. Criar fora das referências e dos modelos e se arriscar. Mergulhar na poesia e fazer surgir o sentido. Resistir e se dar o tempo indispensável de explorar. Retomar e recomeçar para se chegar a esse desconhecido que se revela, pouco a pouco, ao fio dos meandros e improvisos. Talvez seja isso a utopia da pesquisa.”
“Há mais de quinze anos que Artur Luanda Ribeiro e André Curti trocam, dialogam, experimentam, criam juntos, e interpretam espetáculos de teatro gestual. Trata-se realmente de escritura teatral, mesmo sem nenhum texto ou palavra.”
Uma escritura teatral, com as suas tensões dramáticas, feitas de conflitos, de suspensões, com os seus elementos obscuros e as expectativas e a admiração que provocam no espetáculo.
De fato, o mundo mais dramático e verdadeiro prescinde de palavras!



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